29.9.17

Against engraçadismo

Uma das consequências nefastas da chamada dos pais (pais homens, urge distinguir na língua portuguesa o equivalente a «parents» e «fathers» - «progenitores» refere-se demasiado à circunstância biológica e é uma palavra esteticamente insuficiente) às tarefas domésticas de cuidar de bebés e crianças foi a propagação da utilização do humor como norma do discurso público parental. Estou a admitir sem conceder (embora, no fundo, conceda) de que o debate sobre a prevalência do humor como fenómeno essencialmente masculino tem os seus méritos, mas julgo que poderei escapar à vossa fúria (olá leitoras) se vos pedir para concordarem comigo de que há muito mais pais engraçadinhos do que mães engraçadinhas. Estou, no fundo, a concordar com a crítica que Pacheco Pereira tem vindo a fazer ao engraçadismo, mas desta vez apenas aplicada à maneira como os pais do final do século XX e início do século XXI gostam de falar dos seus filhos. Eu, que sou pai - e homem - já cedi à tentação desse exercício muito particular várias vezes, e não duvido de que vou fazê-lo novamente. É uma expressão da nossa megalomania (e, mais uma vez, falo do universo masculino): se o humor está ao alcance de alguns (as crónicas do Michael Lewis sobre os seus filhos reunidas no livro Home Game são disso exemplo) então porque não estará também ao nosso alcance? Só que, na maioria das vezes, não está. É por isso que este blogue será essencialmente um exercício de fuga ao engraçadismo e resistência ao humor; e é por isso também que será, a espaços, um exercício falhado.

Afinidades

«Não é o Facebook, não são as carreiras, não são as relações passadas, nem as cuecas deixadas na casa de banho. Um bebé a chorar o dia todo é o verdadeiro teste de stress de um casamento.»

Não é a primeira vez que o Eremita escreve sobre as suas filhas, sem será certamente a última. No fundo estamos todos no mesmo barco.

28.9.17

Inter pares

Ter dois filhos, ambos rapazes, muito próximos na idade é muito útil para percebermos o alcance da nossa incompetência ou irrelevância em lhes moldar o espírito. A mesma educação, a mesma circunstância, a mesma escola, e o resultado são duas pessoas com feitios muito diferentes, interesses muito diferentes, convicções muito diferentes (sim, crianças de cinco e sete anos têm convicções: um dos meus filhos é manifestamente ateu enquanto o outro diz acreditar em Jesus). Até que ponto é que a individualidade de uma criança não sente a necessidade de se afirmar em contraponto aos irmãos, mais do que como reacção aos pais? Voltarei ao tema quando o meu terceiro filho começar a manifestar traços de personalidade, como tira-teimas.

Against parenting

Os estudos científicos mostram-no e Alison Gopnik sublinha-o enfaticamente: as crianças aprendem muito mais pela observação e experimentação do que pela acção orientada dos pais. Estamos, por isso, libertados da angústia da parentalidade. A infância dispensa linhas de acção, estratégias, tácticas, objectivos, direcções e avaliações. O «parenting» do final do século XX está morto. Os nossos filhos não são o produto do nosso trabalho. Se não tivermos isto em mente e continuarmos convencidos de que os nossos filhos nos devem as suas virtudes e as suas falhas, as suas conquistas e os seus fracassos, então um dia vamos acordar e dar razão aos versos de Philip Larkin: «They fuck you up, your mum and dad / They may not mean to, but they do.»

27.9.17

O papel

Ser pai no século XXI já não é remotamente parecido do que era ser pai no século XX. Mas ser mãe também não é. E são as mães que viveram em primeira mão a alteração desse estatuto quem mais sofreu, incapazes de escapar à angústia da avaliação que é feita sobre a sua competência enquanto várias coisas. Se no caso dos pais foi o papel que mudou, no caso das mães foi o papel e a exigência. Como se a igualdade de género só fosse permitida às mulheres se elas mostrarem ser merecedoras. Quanto aos pais parece que desde que sejamos moderadamente incompetentes a fazer várias coisas estamos a cumprir o nosso papel. E por isso há um aspecto que aproxima bastante o pai do século XXI ao pai do século XX (e ao pai de outro qualquer tempo passado): continua a ser muito mais fácil ser pai do que ser mãe.

O erro do impulso genético

Sabemos por que temos filhos - Richard Dawkins explicou-nos isso em 1976 - mas isso não nos dá a resposta para o que queremos para os nossos filhos. O impulso genético manda-nos reproduzir mas é indiferente àquilo que acontece com essa reprodução. Sejam fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra, e assim. E depois, imagino, chateiem a cabeça dos vossos filhos para eles fazerem a mesma coisa. Deve ser por isso que os pais se emocionam no casamento dos filhos, é o gene egoísta a esfregar as mãos de contente, como um plano que está a dar certo. Mas os meus filhos não são só a arca que transporta o meu código genético, são também pessoas que vão povoar o mundo à sua maneira. Por isso a pergunta persiste: o que quero eu para os meus filhos? Como qualquer pai cometo o erro de gostar quando eles se parecem comigo, quando fazem coisas que eu também faço, quando dizem coisas que eu também digo. Mas sei que isso é irrelevante (se eu achar que não é irrelevante tenho de estar convencido de que eu sou uma pessoa melhor do que a média das pessoas). Não, eu não quero que eles se pareçam comigo. O esforço que ponho na sua educação é para garantir que eles serão adultos informados e capazes de tomar sozinhos as melhores decisões para a sua vida. E quando me pedirem conselhos, lembro as sábias palavras do grande filósofo contemporâneo chamado Conan O'Brien: «work hard, be kind, and amazing things will happen.»

Gostar dos filhos

Durante as sessões de apresentação de Home Game: An Accidental Guide to Fatherhood, eram frequentes os pedidos de conselhos sobre a paternidade a Michael Lewis. Depois de fazer a devida ressalva de que não dava conselhos, Lewis resumia o que tinha para dizer sobre o assunto nestes dois pontos:

1 - Não amem apenas os vossos filhos, aprendam também a gostar deles. São coisas diferentes.
2 - Se querem que o vosso filho mude o seu comportamento mudem primeiro o vosso.

Li isto antes de nascer o meu primeiro filho. Na altura pareceu-me fazer todo o sentido. Agora, sete anos e três filhos depois, continua a fazer todo o sentido. O que eu não sabia mas sei agora é que isto é mais difícil do que parece.

26.9.17

Desta vez

O que quero eu para o meu terceiro filho? O mesmo que quero para o primeiro e para o segundo; só que, desta vez, já não estou às escuras.