2.10.17

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As pessoas que defendem a despenalização do aborto têm de partir do princípio de que quando se interrompe uma gravidez não se está a matar uma pessoa. Mesmo a maior parte das pessoas que combatem a despenalização do aborto são capazes de reconhecer que um feto com 10 ou 12 semanas não é uma pessoa, isto é, não é um ser humano autónomo da mãe. Sempre tive dificuldade em tentar definir o momento onde isso acontece - tive eu e tem toda a gente, daí o debate -, como se uma gravidez fosse uma variante do Paradoxo de Zenão. Contudo, nos países onde o aborto foi despenalizado a sociedade foi forçada a definir um consenso, geralmente às 12 semanas. Haverá argumentos científicos e biológicos para sustentar essa decisão, mas creio que é, no limite, uma decisão filosófica - e é, acima de tudo, uma decisão. Seja como for, estaremos todos de acordo que é algures durante a gravidez que essa autonomia acontece; que é durante a gravidez que o feto passa a criança capaz de sobreviver fora do útero (o avanço da ciência coloca hoje essa data à volta das 23 ou 24 semanas de gestação - embora estejamos a falar de uma sobrevivência fora do útero fortemente apoiada por meios artificiais de suporte de vida.) Isto são os factos biológicos. Mas o que se passa ao nível psicológico da formação de uma pessoa? A dependência do bebé do corpo da mãe não acaba no nascimento (embora, claro está, possa acabar), e muito menos a sua dependência psicológica. Com uma semana de vida um bebé não é ainda uma pessoa; com um mês de vida também não é. Com um ano de vida, já o será? E dois? E cinco? O que é, fora do contexto jurídico, uma pessoa? Tal como as 12 semanas do aborto ou as 23 semanas da sobrevivência extra-uterina, a idade do fim do processo de formação de uma pessoa é um número difícil de definir. Como saberemos que o processo acabou? Como saberemos que aquela pessoa já não depende de nós? Seja qual for a resposta cabe aos pais - cabe-me a mim - ter presente que a relação que se cria com os filhos é tão vital como o oxigénio que passa pelo cordão umbilical, e que a interrupção voluntária dessa relação pode ter consequências nefastas. Os pais são o primeiro ensaio de sociedade para uma criança; a primeira experiência do outro; o primeiro ensaio do amor; o primeiro contacto com a autoridade; a primeira fonte de conflito; a primeira experimentação da confiança e do respeito. A maneira como cada um de nós irá usar e moldar estes conceitos em adulto depende desse contacto fundamental. A maneira como os meus filhos irão avaliar o mundo será sempre radicada no meu comportamento agora. Metaforicamente o cordão umbilical não foi cortado - e não cabe aos pais cortá-lo. Cabe-lhes a eles.

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